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21/05/2009 / videcampos

Balaio da Vivi: uma prosa com o filósofo Sérgio Murilo Rodrigues (ENTREVISTA: 1ª parte)

 
 
 
 
Sérgio Murilo Rodrigues
Arquivo pessoal
Foto editada por Bia Menezes
 
 
 
 

“O desejo nem bem satisfeito já pede mais”

 

 

 

     Sérgio Murilo Rodrigues é professor de Filosofia na PUC/MG há 17 anos. Iniciou sua carreira em Belo Horizonte na FAFI-BH, atualmente UNI-BH, como professor de Filosofia da Educação para o curso de Pedagogia. Em 1997, dedicou-se à pesquisa sobre a questão da verdade, usando como marco referencial o filósofo alemão Jürgen Habermas, defendendo a dissertação de Mestrado em 1999. Em 2001, iniciou o doutorado na Universidad Complutense de Madrid investigando a questão da verdade moral. É coordenador do curso de Filosofia e do projeto “Convite ao Pensar” realizado na PUC/MG (neste sábado, 23/5/09, o prof. da UFMG Daniel de Lucca Noronha  falará sobre “Consumo, linguagem e sedução”). Este projeto do Deptº de Filosofia da PUC/MG existe desde 1995. Neste 1º semestre de 2009, o CONSUMISMO é o tema das palestras que ocorrem no Auditório 3, prédio 43, às 10h15, aos sábados, na PUC do Coração Eucarístico.

     Sérgio Murilo participa de palestras, debates e encontros promovidos por organizações, associações e empresas privadas. O último encontro de que participou foi no Minas Tênis II em abril deste ano, onde falou de “Matrix e a alegoria da caverna”.

     Pai de Carmem e Guilherme, Sérgio Murilo reside em Belo Horizonte.

     sergio10@pucminas.br

 

 

(A 2ª parte da ENTREVISTA* foi postada em 17/6/09)

 

 

 

     O ciclo de palestras deste primeiro semestre recebeu o título de “Consumo: o infinito do desejo”. Qual é a relação entre consumo e infinitude do desejo?

 

      A característica marcante do desejo é curiosamente a sua insatisfação. Ao contrário dos animais que podem ter as suas necessidades plenamente satisfeitas, os seres humanos nunca satisfazem plenamente os seus desejos. É sempre uma satisfação provisória. Como dizia Schopenhauer, é como dar uma esmola para um mendigo sabendo que isso só garantirá que o desgraçado estará ali, no dia seguinte, pedindo novamente uma esmola. O desejo nem bem satisfeito já pede mais. O desejo é caracterizado pela desmedida. Por tudo isso ele é infinito. Ora, o capitalismo é basicamente um sistema de mercadores, de vendedores e eles descobriram, não sei se de forma explícita ou implícita, que o desejo é o grande aliado do consumismo. Estimular os desejos: esta é a palavra de ordem do capitalismo, pois isso vai gerar a necessidade nas pessoas de trocar mercadorias em perfeito funcionamento por outras, de querer gastar o seu dinheiro com viagens, jogos, diversões e etc. E o mais perverso é que as pessoas gostam, pois, afinal de contas, elas estão satisfazendo os seus desejos.

 

      Para pensadores de outros campos do saber, o consumismo vincula-se à necessidade do sujeito (demanda). Como a Filosofia define o desejo numa sociedade estruturada no consumo?     

 

     A filosofia explica a infinitude do desejo pelo fato dele ser simbólico. Homens e mulheres não desejam coisas, mas símbolos. Logicamente que esses símbolos estão encarnados em coisas, mas muda tudo na economia do desejo. Um animal tem fome (uma necessidade). Ele comerá qualquer coisa que a natureza colocar a disposição dele. Leões preferem comer uma carniça disponível a tentar uma arriscada caçada a um tenro filhote de zebra. Isso porque o leão satisfaz plenamente a sua necessidade com a carniça. Nós não, nós escolhemos o que vamos comer, porque aquilo simboliza algo. Judeus não comem carne de porco, coreanos comem carne de cachorro, outros não comem galinha etc. Há algum impedimento físico-biológico para essas pessoas? Não! É uma decisão simbólica. Tanto é que em momentos de extrema necessidade, algumas dessas pessoas podem comer o alimento proibido e não vão morrer por causa disso, mas vão sofrer. O comércio capitalista se aproveita disso. Foi uma descoberta tardia, por volta da Segunda Guerra Mundial, mas revolucionou o sistema: surgia o consumismo. Descobriu-se que o desejo podia ser estimulado, e até mesmo criado para homens e mulheres. Hoje sabemos que isso é possível porque o desejo é simbólico. Mas na época, através de tentativa e erro, descobriu-se que o desejo pode ser oferecido como mercadoria, pode ser vendido, pode ser manipulado. O nazismo fez isso. Ele vendeu uma ideologia, que satisfazia um desejo manipulado pelos próprios nazistas. Não é genial: manipula-se o desejo, criam-se necessidades e vende-se a satisfação? Pensem nos telefones celulares, por exemplo.

 

     Sua palestra abriu o ciclo com o tema “O luxo e o lixo na sociedade pós-moderna”. O luxo e o lixo são duas medidas extremas e polarizadas de valor. Como se situa a sociedade de consumo em relação ao que é luxo e ao que é lixo?

 

     Em português até parece que “luxo” e “lixo” têm alguma semelhança etimológica, afinal de contas, é só trocar o “u” pelo “i” e mudamos uma palavra na outra. Mas não há nenhum parentesco, embora objetos considerados lixos podem se tornar objetos de luxo e vice-versa. Isso porque não se trata de uma definição material, mas simbólica. A alta qualidade de um produto não garante que ele seja considerado de luxo, pode até ser um pré-requisito, mas não é a condição essencial. O “luxo” é um termo que existe desde que surgiu a cultura humana e representava aquilo que tinha um valor sagrado, um valor não-utilitário, mas em si mesmo. Talvez até por isso mesmo, por não ser utilitário, que o objeto simboliza o luxo, afinal de contas, para comunidades que viviam permanentemente lutando para sobreviver, era um “luxo” poder fazer uma festa e comer sem se preocupar com o dia seguinte, ou fazer uma escultura de osso sem se preocupar com a utilidade daquilo. O “lixo” é um termo recente na cultura humana, por motivos óbvios, antigamente não havia lixo (nada sobrava), mas havia um termo que se opunha ao luxo e que corresponderia ao nosso lixo, que é o termo “impuro”. O luxo é puro e sagrado, o lixo é impuro e deve ser descartado ou purificado. A sociedade de consumo soube se aproveitar disso muito bem. O critério para a pessoa estar do lado do luxo ou do lixo é o dinheiro. Quem tem dinheiro é luxo, quem não tem é lixo descartável. Não interessa se a pessoa merece ter aquilo, se ela é digna, corajosa, se sacrificou, o que interessa é que ela pode comprar. É um critério bastante democrático e que movimenta um imenso mercado, inclusive um mercado de cópias baratas dos produtos de luxo. E mais uma vez, vemos a força do simbólico: é um luxo passar uns dias em um hotel todo feito de gelo, apesar de ser extremamente desconfortável, como é um luxo fazer uma viagem espacial e dar uma volta na Terra, apesar de todo desconforto.

 

     Há pensadores que criticam a “polissemia” da expressão pós-modernidade. Qual é a origem do termo pós-modernidade? E o que significa pós-modernidade?

 

     Em grande parte esta crítica ao termo “pós-modernidade” é pertinente, pois ele serve para falar de tudo. Sabemos que uma época nunca consegue falar de si mesma, muito menos se nomear, por isso, penso que há muito modismo no uso do termo “pós-moderno”. O termo começou a ser utilizado na Arquitetura por volta de 1950 e servia para designar construções que misturavam vários estilos arquitetônicos (o prédio chamado de “rainha da sucata” na Praça da Liberdade é um exemplo disso). Na mesma década de 50, Daniel Bell escreveu um livro chamado de “Sociedade pós-industrial”, que muitos consideram como o marco inicial do movimento. Dois livros que explicam bem o termo é o clássico “A condição pós-moderna” de Jean-François Lyotard e “Moderno pós Moderno” de Teixeira Coelho. Consideramos que a Modernidade se caracteriza por uma aposta na racionalidade como forma de resolver todos os problemas humanos. Vimos que esta racionalidade foi muito bem-sucedida na parte material da tecnociência, mas ficou devendo na parte humana dos valores, das normas e da subjetividade. Assim, a Pós-modernidade se caracteriza por uma descrença na razão, por uma descrença no futuro, não há soluções para os grandes problemas da humanidade. Estamos como na época da peste negra na Europa: algumas pessoas se entregavam a dança, a bebida e ao sexo desenfreado esperando a morte inevitável chegar.

 

    Com o esvaziamento das crenças ideológicas, perda dos valores coletivos, mutações nos critérios da racionalidade e a ascensão (sem precedentes) da mercadoria e, por outro lado, com o incremento do individualismo na esfera pública e da permissividade na esfera privada, qual a leitura que a Filosofia faz da sociedade contemporânea neste cenário?

 

       Não há dúvidas que os pontos colocados na sua bela pergunta são características marcantes da nossa época e existe um grande número de filósofos, talvez até mesmo a maioria, que acreditam que não há solução para este estado de coisas. A razão não dá conta dessas questões e devemos nos conformar com o presente. O filósofo americano Richard Roty dirá que a filosofia não resolve o problema de ninguém e que ela não passa de uma “ação entre amigos”: um bando de pessoas que ficam discutindo entre si questões que não são pertinentes para ninguém. Foucault vai falar de uma “ontologia do presente”, na qual a filosofia se atém a descrever o presente e a não propor soluções. Muitos desses filósofos são chamados de “pós-modernos”. Particularmente, eu vou seguir na contramão desse movimento. Sigo o filósofo alemão Jürgen Habermas, que considera que toda esta situação é resultado da “colonização” da esfera do mundo da vida pela razão instrumental. O mundo da vida deve ser regido pela razão comunicativa. Ora, a razão instrumental fala em calcular os meios mais eficientes (gasto menor) para se obter o fim planejado (ganho maior). Ao aplicarmos este modelo de racionalidade em nosso cotidiano passamos a ter um mundo da vida altamente competitivo, em que as pessoas são coisificadas, tornam-se instrumentos para a vantagem de outros, tornam-se mercadorias de troca e as crenças precisam ser abandonadas, pois elas “travam” o aumento da eficiência das ações (imagine empresários, advogados e outros deixando de aumentar seus lucros por questões morais, de crença; imagine soldados e policiais agindo de forma exclusivamente moral, seria muito bom, mas não eficiente). Assim, chegamos ao impasse de um mundo que sabe que se mantiver os atuais níveis de consumo irá se destruir, mas que não quer diminuir nada no nível de consumo, pois isso significa diminuir seus ganhos (mesmo porque o mundo vai acabar daqui uns 100 anos quando todos nós já estaremos mortos).

 

    Estamos num momento da civilização em que a mercadoria ocupou o centro da vida. O valor da relação do homem com o próprio corpo e das relações sociais se transformou no de mercadoria. Este processo recebeu a denominação de mercantilização ou de racionalidade da mercadoria pelos filósofos da Escola de Frankfurt. Sabemos que a lógica do mercado contaminou o espaço da política. Pelo olhar da Filosofia, quais são as saídas para o homem no processo contemporâneo de mercantilização?

 

      A saída é o resgate da racionalidade comunicativa na esfera do mundo da vida. Tal como no filme “Matrix”, as pessoas precisam abandonar o comodismo do seu cotidiano, no qual elas não passam de “pilhas” (ou mercadorias) para o sistema e buscar entre si, através do diálogo aberto e racional, a melhor maneira de viver. Este processo é extremamente difícil, pois se trata de escolher entre o prazer (consumismo) e a dor (diálogo aberto). É muito difícil abrir mão de um conforto ou de um prazer. Vejamos a própria atividade política, por mais que critiquemos os políticos profissionais, não estamos dispostos a assumir as tarefas deles, é mais cômodo para nós, tê-los lá fazendo a nossa obrigação, que é participar e decidir. As discussões sobre a ecologia são um exemplo de como a razão comunicativa pode melhorar essa coisificação do humano.

 

 

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Entrevista feita por Viviane Campos Moreira postada em Balaio da Vivi: uma prosa com Sérgio Murilo Rodrigues, 1ª parte. http://videbloguinho.spaces.live.com

*Mais: Comentário sobre a entrevista com o filósofo Sérgio Murilo Rodrigues e Balaio da Vivi: uma prosa com o filósofo Sérgio Murilo Rodrigues (ENTREVISTA: 2ª parte) 

 

 

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<AGENDA AÍ> Semana Filosófica 

                      "Em busca do sentido desesperadamente"

     

                                   
26/05: 7h30 "Narrar é interpretar-se" (Antônio Aurélio) e 9h30
"Corpo sem órgãos" (Neuza Beatriz Henriques): AUDITÓRIO DO ISTA (Instituto São Tomás de Aquino na Rua Itutinga, 300, atrás da PUC Coração Eucarístico)

27/05: 7h30 "O desafio do niilismo" (Flávio Senra) AUDITÓRIO
DO ISTA / 19h "A atualidade da metafísica" (Ibraim Vitor) AUDITÓRIO 1
PRÉDIO 4 PUC

28/05: 7h30 "A libertação como projeto ético" (Salustiano)
AUDITÓRIO ISTA / 19h "O problema do sentido no pensamento oriental"
(Vicente Amancio) AUDITÓRIO 1 PRÉDIO 4 PUC

29/05: 7h30 "Sentido da violência e a violência sem sentido"
(Onofre dos Santos) AUDITÓRIO ISTA / 9h30 "Suicídio: ato final?" (Renata
Flecha) AUDITÓRIO 1 PRÉDIO 4 PUC

 

 

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 <AGENDA AÍ: palestras na PUCMG – "Convite ao Pensar" 2010>

  

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